A jogada de Pútin

Porque não se deve jogar xadrez contra um russo

Os estudiosos da arte da guerra sempre advertiram, desde Sun Tzu até Clausewitz que quem conhece o terreno (geralmente o defensor) tem enorme vantagem contra quem não conhece. Esse é o caso da Crimeia.

A jogada do imperialismo, ao conspirar para a deposição do presidente Víctor Ianukóvitch, pró-Rússia, era desestabilizar ainda mais a economia da Rússia fazendo com que a Ucrânia voltasse as costas para o Oriente e se integrasse à Europa ocidental. Mas era também uma jogada geopolítica, que buscava limitar ainda mais o acesso da Rússia ao mar.

A Rússia, historicamente, sempre teve o acesso ao mar bloqueado pelas potências europeias, desde que Catarina, a Grande resolveu transformar a Rússia num império. Devido à grande dimensão de seu território, a marinha de guerra e a marinha mercante do país ficam estacionadas em locais ermos e remotos, como no círculo polar ártico, no Pacífico, no Báltico e no Mar Negro. Mas, para o Ocidente, a maior preocupação é o Mar Negro.

Em diversos momentos da história, procurou-se bloquear a passagem da marinha russa para o Mediterrâneo. Na Primeira Grande Guerra, a marinha britânica tomou o Dardanelos; ao final da Segunda Grande Guerra, o imperialismo adotou medidas severas para que a União Soviética não tomasse conta também da Grécia, uma vez que já dominava a Romênia e a Bulgária. A União Soviética não conseguiu acesso direto ao Mediterrâneo e, se observarmos o mapa, veremos que apenas uma pequena faixa de terra em território grego separa a Bulgária do mar.

Com o fim da União Soviética, em 1991, a Rússia perdeu quase todo o acesso que tinha aos mares ocidentais. A Bulgária e a Romênia, que costeiam o Mar Negro, fazem parte, hoje, da OTAN.

O golpe de Estado, patrocinado pelo imperialismo, conseguiu desestabilizar o país e provocar a deposição do presidente. A Rússia estava diante de um sério problema: perder um parceiro comercial de grande importância (o segundo do bloco da CEI), perder mais da metade de seu acesso ao Mar Negro ou entrar em um conflito com a Ucrânia que seria ilegal perante o Direito Internacional. Mas os russos mostraram que sabem, como ninguém, jogar xadrez.

Como a Crimeia é uma república autônoma, tem direito de fazer um referendo próprio, sem consultar as autoridades centrais, o governo da Ucrânia. Ocorre que a península da Crimeia, além de ter enorme importância geopolítica, tem também maioria russa. Com a independência da Crimeia e sua possível anexação à Rússia, a Ucrânia e o Ocidente perdem e a Rússia ganha. Vejamos por quê.

A península da Crimeia separa o Mar Negro do Mar de Azov, cujo litoral é dividido meio a meio entre Rússia e Ucrânia. Mas o acesso a esse mar se dá por um pequeno estreito que separa a Crimeia do território russo oriental. Isso quer dizer que todo o acesso marítimo ao Mar de Azov passará ao controle russo.

Por outro lado, a Rússia passará a ter um litoral mais extenso que o ucraniano no Mar Negro. Com isso, as pretensões do Ocidente de dominar a Ucrânia para baratear o custo do gás russo (o qual passa pela Ucrânia) foi um tiro que saiu pela culatra. Se a Ucrânia resolver aumentar o valor do arrendamento do território por onde passam os gasodutos russos, os russos poderão, por sua vez, cobrar um pedágio pela passagem de navios ucranianos pelo estrito de Azov.

O Ocidente esperneou, acusou a Rússia de provocar um referendo ilegal, de mobilizar suas tropas para a fronteira ucraniana e, até hoje, continua ameaçando. Mas, nada poderá fazer a não ser esbravejar. A própria ONU não terá como condenar a Rússia e tudo ficará como está. Resta saber o que acontecerá na Ucrânia, pois quase a metade de seu território ainda é de nacionalidade russa.